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Open-access Lutas pela terra, mulheres e violências:aproximações e distanciamentos desde as indígenas Guarani e Kaiowa, as posseiras de Trombas e Formoso e as mulheres dos faxinais de Pinhão

Land struggles, women and violence: proximities and distances between the Guarani and Kaiowa indigenous women, the squatters of Trombas and Formoso and the women of the faxinais of Pinhão

resumo

Lutas pela terra são parte expressiva das vidas de povos indígenas, camponeses e comunidades tradicionais no Brasil. Esses conflitos são organizados com o gênero, diferenciando lugares, corpos e formas de atuação de homens e mulheres. Neste artigo, traçamos um diálogo entre as experiências vividas por mulheres Kaiowa e Guarani, por posseiras em Trombas e Formoso, e por mulheres em faxinais do Paraná, a fim de discutir como elas se conduzem nessas disputas e cultivam potências que as habilitam a segurar ou retomar terras. Destaca-se a centralidade da casa como entidade viva, lugar de conexão de corpos e terras, que participa dos conflitos e sofre violências. Argumenta-se que as agências das mulheres refletem a intimidade das lutas, e entrelaçam o gênero como forma de ordenamento de projetos de colonização e expansão do agronegócio, e como forma de organização dos modos de vida de indígenas e posseiras.

palavras-chave  Terra; gênero; luta; casa; violência

abstract

CLand struggles are a significant part of the lives of indigenous peoples, peasants, and traditional communities in Brazil. These conflicts are organized by gender, differentiating places, bodies, and forms of action for men and women. In this article, we draw a conversation between the experiences of the Kaiowa and Guarani women, the peasant women in Trombas and Formoso, and the women in the faxinais of Paraná, to discuss how they conduct themselves in these disputes and cultivate powers that enable them to secure or take back their lands. We highlight the centrality of the house as a living entity, a place that connects bodies and lands, participates in conflicts, and suffers violence. We argue that women’s agencies reflect the intimacy of the struggles and interweave gender as a way of ordering the colonization and the expansion of agribusiness, and as a way of organizing the ways of life of indigenous people and peasants.

keywords  Land; gender; struggle; house; violence

Este artigo nasce do encontro entre três antropólogas num espaço construído para o debate sobre terra, corpo e gênero. Parte de um esforço coletivo na reflexão sobre composições de gênero e terra em conflitos vividos por povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas com os quais dialogamos na construção de nossas pesquisas: Indígenas Guarani e Kaiowa em Mato Grosso do Sul, Posseiros de Trombas e Formoso em Goiás e comunidades de faxinais em Pinhão, no Paraná.

Diversas autoras que debatem esse tema salientam a importância de se observar o gênero em seu estatuto teórico e epistêmico, para além das relações de dominação que se interpõem nas lutas envolvendo terras e territórios (Segato, 2011 ; Ulloa, 2016; Ruales Zaragocin, 2020 ; Paredes, 2013). Assim, faz-se necessário discutir como o gênero organiza as relações não só entre mulheres e homens, mas também entre homens, e entre mulheres, o que implica discutir as diferenças e desigualdades entre os sujeitos que tomam parte nesses conflitos. Reconhecem-se ainda os vários agenciamentos das mulheres nessas disputas e o quanto eles são propositivos ou elucidativos de outras lógicas de gênero entre povos indígenas e camponeses, iluminando novas narrativas e conhecimentos sobre esses conflitos e sobre a terra.

Em nossas etnografias, o gênero emergiu como problemática a partir de nossas observações das lutas pela terra em suas variadas dimensões, incluindo as narrativas, a organização política por direitos e reparações, as transformações que os conflitos provocam na terra e na vida cotidiana das comunidades. A performatividade do gênero (Butler, 1990) entra em cena nas avaliações sobre as violências vividas e os possíveis modos de enfrentá-las. Além disso, olhar para o gênero nos fez compreender as casas, tanto enquanto ideal de bem viver quanto em sua materialidade, como lugares privilegiados de criação e destruição de famílias e terras. As casas de nossas interlocutoras são mundos atravessados por várias violências (incêndios, tiros, despejos, mortes, ameaças e outras situações decorrentes das relações familiares), as quais explicitam os múltiplos desdobramentos desses conflitos na intimidade do parentesco e das comunidades.

Pensar conflitos por terra através das relações de gênero possibilita que avaliemos aquilo que comumente temos compreendido como “conflito” e/ou “violência”, e demanda uma atenção especial ao cotidiano da vida comum (Das, 2007; Figurelli, 2011; Rossi, 2016). Como ressaltou Fernanda Figurelli (2011) em seu estudo sobre o trabalho e os conflitos em uma antiga fazenda no Rio Grande do Norte, se os homens têm sido os mais autorizados a falarem publicamente sobre essas experiências (afinal, na maioria das vezes são eles que ocupam posições de liderança em sindicatos, associações e movimentos sociais), as narrativas que as mulheres elaboram desde suas casas e conversas umas com as outras desvelam um outro âmbito público, correspondente às suas relações sociais e aos seus lugares de trabalho e interação social, os quais escapam ao interesse masculino.

Se falamos aqui de relações de gênero de um modo mais amplo, é também para ressaltar essa diferenciação de vivências e agências, e para compreender as éticas e formas de atuação que dizem respeito às mulheres em especial. Essa ênfase na participação das mulheres nos conflitos pela terra é uma escolha epistemológica e política. Ela desvela facetas das lutas no campo e na floresta que foram historicamente deixadas de lado nas análises sobre esses conflitos, as quais se focaram muito mais na organização de movimentos sociais, nas relações estruturantes da expropriação e do esbulho de territórios, nas narrativas de lideranças e nos impactos da plantation e do agroextrativismo no ambiente e na vida social de indígenas e camponeses. Entendemos que todas essas questões implicam o gênero e que a espoliação da terra também transforma as relações de gênero nas comunidades e aldeias.

O caminho de análise que percorremos está imbricado à generificação dos nossos corpos em campo, como mulheres, jovens, solteiras, sem filhos, que vão sozinhas às aldeias e comunidades com que trabalham. Um processo de incorporação de outras normas e comportamentos de gênero para o qual certamente não estávamos preparadas, e que nos abriu um universo particular de interlocuções e caminhos, visto que caseiro e na companhia de muitas mulheres e crianças. Como afirma Donna Haraway ( 1995 ), o conhecimento é interligado ao aparato de produção de nossos corpos, dos corpos das pessoas com quem realizamos nossas pesquisas, e das relações que travamos com elas. Nossos olhares e saberes são, assim, sempre parciais e passíveis de críticas e reorientações. A generificação das pesquisadoras em campo é também um processo de generificação do campo e do tema de pesquisa, algo que em nosso caso permitiu observar outras agências e subjetivações, bem como outras vivências das lutas pela terra e das formas de violência que as caracterizam.

A discussão que faremos é também uma conversa entre nossas etnografias, realizadas em lugares e momentos diferentes. Lauriene Seraguza trabalha com os enfrentamentos vividos pelos povos Guarani e Kaiowa no Mato Grosso do Sul, Maiara Dourado com as memórias e as experiências de luta do povo de Trombas e Formoso ocorridas no norte de Goiás, na década de 1950, e Dibe Ayoub com conflitos por terra envolvendo faxinais e uma empresa madeireira no Paraná. Embora sejam contextos distintos, percebemos uma série de preocupações comuns entre nossas etnografias no que tange aos modos com que as violências são narradas e vividas por nossas interlocutoras, às formas com que as mulheres se conduzem nos conflitos e se constituem como sujeitos na luta, às reputações dessas mulheres, às composições gênero-terra que se destacam em suas experiências, ao lado íntimo desses conflitos. São essas as questões que pretendemos abordar neste artigo.

A terra é uma mãe

Expulsos de seus territórios tradicionais – as tekoha –, os Kaiowa e Guarani em Mato Grosso do Sulforam confinados em reservas indígenas criadas pelo estado brasileiro entre 1915 e 1929 1 . Estas reservas são atualmente superpopulosas e são palco de intensos conflitos internos, oriundos da escassez territorial e da falta de autonomia ocasionada pela intervenção recorrente do Estado nestes espaços. Os Guarani e Kaiowa protagonizam, desde os anos 1970, um retorno aos seus territórios ancestrais através das retomadas – ação política operacionalizada frente às expulsões, com o intuito de recuperação territorial, que ocorre à revelia do Estado e do agronegócio brasileiro, configurando um dos maiores conflitos e uma das mais graves situações de violação aos direitos humanos e territoriais do Brasil 2 .

Dizem com frequência nas terras guarani e kaiowa que a terra é como uma mãe . Se, considerando o que ensinam as mulheres indígenas quando afirmam que a terra é mulher, que, nutrido o corpo, gera vidas (Ciccarone, 2001, Seraguza, 2023), como uma metáfora direta às práticas agrícolas e à maternidade, a ação política de enfrentamento direto em defesa da terra – aos não indígenas que são muitas vezes vistos como “aqueles que já usaram muito a terra”, ou mesmo ao Estado, que os expulsou de seus territórios tradicionais e incentivou o desmatamento, a monocultura e o uso excessivo de agrotóxicos – é como uma resposta à violência cometida à “mãe terra”, e aos seus filhos, ambos atingidos pelas ações daqueles considerados “civilizados” – frente aos “selvagens” (Guarani, 2020), aos povos indígenas e à própria terra.

Entre esses indígenas, fazer crescer as plantas, os produtos agrícolas cultivados, é por vezes um argumento que minimiza ações de despejos das terras recuperadas entre os Guarani e Kaiowa, mas nem sempre é efetivo. As casas kaiowa e guarani são em sua maioria produzidas de materiais perecíveis reutilizados, como lona, papelão e tecidos, produtos naturais, como capim sapé e bambu, todas com um fogo de chão dentro, gestado por uma mulher que garante o seu controle a fim de evitar incêndios diante de tantas possibilidades inflamáveis. Estas casas não são empecilhos para os tratores que acompanham os despejos promovidos pelo Estado brasileiro, derrubam as casas e reviram a terra cultivada, para que nada cresça mais ali: nem as crianças, nem as plantas, nem os animais.

As mulheres lidam com os efeitos e transformações ocasionados pelo viver fora de seus territórios tradicionais e por isso, muitas vezes, assumem a liderança nas ações de recuperação territorial. A recorrência de memórias que configuram o ser mulheres, e que são informadas por conhecimentos relacionados com o lugar onde se vive, viveu, nasceu e morreu, legitima estas mulheres na recuperação da posse de suas terras. Mesmo expulsos, os indígenas nunca deixam de ocupar e usufruir do território, seja de suas matas para caça e coleta de remédios e frutos, ou dos seus rios para banhos e pescas. Eles “guardam na cabeça” a imagem da terra antes da expulsão e se encorajam para voltar a ela, enfrentando uma diversidade de violências.

A terra retomada é considerada terra ancestral, é nela que estão seus parentes mortos, as divindades com quem cresceram, os alimentos, os remédios verdadeiros e a memória da vida – deixados por Ñanderu e Ñandesy, o Primeiro Pai e a Primeira Mãe, para que os Kaiowa e Guarani pudessem existir. Não se trata de qualquer terra a ser retomada, mas uma terra específica, configurada por seus conhecimentos e histórias de vida e lutas. Frente a isso, se mobilizam a partir das intempéries da vida em reserva e saem dela em busca de uma vida mais harmoniosa e autônoma nos territórios de onde foram expulsos e que atualmente são ocupados em sua maioria por extensos cultivos de monocultura.

Retomar a terra significa, então, uma resposta contra a violência do karai reko – o modo de ser não indígena a que foram submetidos historicamente –, na qual as mulheres, como as donas do fogo , mães em potencial, têm ação fundamental na arregimentação dos parentes na saída das reservas e no assentamento destes na vida em retomada. As suas grandes palavras, por vezes duras e por vezes suaves, são fundamentais no sucesso dessas ações. Com a retomada, recupera-se a posse da terra, os conhecimentos, as relações com as divindades e a vida entre parentes (Seraguza, 2023).

As retomadas são realizadas a partir da parentela – a família extensa composta por fogos domésticos. Os fogos são as casas, as unidades sociológicas referentes à composição das parentelas e da tekoha (Pereira, 2004 ), o lugar das boas palavras, dos cuidados corporais e da construção da pessoa. É a partir destes fogos que as pessoas se conectam com seus coletivos, pois é literalmente no calor do fogo que elaboram as comidas, os remédios quentes, as histórias de antigamente, os conselhos; mas também são os fogos os cenários de violências extremas, como aquelas que os homens fazem ao verter o sangue das mulheres, com agressão e sentimentos ruins ou sentimentos bons em excesso, ou mesmo as palavras-violências, como as ameaças e as ofensas – diante da pressão da vida obrigatoriamente compartilhada com o mundo não indígena (Seraguza, 2023).

É possível perceber nas retomadas que as mulheres têm ação fundamental na existência e resistência de seus parentes. Durante a última década de trabalho de campo junto aos Guarani e Kaiowa, eu, Lauriene, aprendi com as mulheres que a luta faz parte do ethos feminino. Resistência é um termo que, em sua semântica, abarca as mulheres, se pensarmos que são elas que vivenciam o cotidiano nas aldeias, já que grande parte dos homens buscam serviços remunerados fora delas, como trabalhadores nas usinas de cana e álcool, na colheita da maçã, no funcionalismo público ou mesmo se empregando nos fundos de fazenda (Seraguza Benites, 2019).

É das mulheres a responsabilidade de lutar para seguir a vida nas aldeias e serem criativas para lidar com as questões que possam aparecer, recorrentemente relacionadas à segurança: da casa, das crianças, dos idosos que vivem juntos, dos animais e plantas, da alimentação, da educação indígena e escolar indígena, da saúde, da terra, dos cuidados com as pessoas.

Há muitas retomadas que são terras de mulheres e crianças. Daí a palavra luto , muito mobilizada entre estes indígenas, é verbo (“eu luto pela minha terra”, “eu luto pela minha família”, “eu luto pelo meu povo”) e se configura como “força reparadora”, como uma espécie de “função recondicionante”, como propõe Rafael Pacheco Marinho (2018) para os vizinhos Xetá que vivem no Oeste do Paraná. E para os Kaiowa e Guarani em Mato Grosso do Sul: através da luta tentam reaver justiça frente a tantas violações da vida executadas pelo Estado brasileiro.

Lutar é uma força criadora de alegria e agregadora de parentes. Foi com luta que Kuña Kuarahy – liderança do povo guarani – me contou que reouve parte de sua tekoha . É preciso lutar para que possam ter de volta o que lhes foi retirado – a terra e o bem viver. Ela enfatiza que a tekoha recuperada é o lugar de onde vieram, onde nasceram e enterraram os seus antepassados, onde viram os primeiros brancos chegarem, as primeiras cercas se levantarem. Ela lembra quando foram jogados nas reservas e, por isso, sabem como voltar para as suas terras ancestrais.

Kuña Kuarahy é uma das catorze lideranças de uma grande retomada (ela é a única mulher do grupo). É ela quem fala para fora da aldeia em nome da retomada desde 2013, e conta que a retomada é a história de sua vida, de sua família. Cresceu fora dela, mas olhando para lá e ouvindo suas histórias, pois foram confinados na reserva, no “chiqueiro”, como ela diz constantemente. Seu marido foi liderança e assassinado por isto. Seus pais e avós, rezadores locais, também morreram. Todos os seus filhos se casaram e construíram seus fogos nos arredores do seu. Ela conta que, durante o dia, a sua casa está sempre cheia de gente, mas, à noite, ela dorme sozinha, sem o marido, os filhos, os pais e os avós.

“A luta é que me faz viver, voltar para a minha tekoha é minha alegria”, exclamou. Em um evento realizado em Dourados, MS, em 2016, afirmou que “[…] Nós estamos voltando para o nosso tekoha. Nós estamos recuperando esse tekoha para a nossa criança, para o nosso neto, para sobreviver ali. Porque na reserva, onde que o governo enfiou todos nós, já não cabe mais ninguém” (Seraguza, 2023: 226-227).

Lutar para levantar pessoas, grupos e terra é um exercício difícil. A tendência é as coisas ficarem desarticuladas, caídas. Aquilo que é levantado exige um esforço constante do/a levantador/a em manter as coisas em pé, senão elas caem. Neste sentido, a disposição para amabilidade, sociabilidade, convivência boa, tem que ser produzida o tempo todo; se ela deixa de ser produzida ou se o esforço de produção não é eficiente, vai prevalecer o teko vai , a briga, a confusão, o desentendimento, a falta de conversa. É isso o que ocorre na vida nas reservas: os mecanismos de produção do bom viver já não são tão eficientes (Pereira, 2004: 304), e, na ausência dessa produção, emerge o mau viver, o teko vai. A violência anunciada.

Com a presença massiva do Estado no controle da vida indígena, a organização social e política deste povo e suas relações de gênero foram sendo extremamente impactadas, e as mulheres, donas dos fogos , têm se visto em situação de extremo descontrole por parte, muitas vezes, de seus próprios parentes dentro das reservas. Parece emergir nas reservas um movimento de desconstrução do parentesco, e a violência parece ser uma força diluidora das relações parentais. Predomina aí uma espécie de encurtamento dos coletivos parentais, pois, embora se mantenha a memória de um conjunto vasto de parentes, nem sempre se ativam essas relações no cotidiano. Isso está conectado com a pressão e controle que o Estado e outros agentes exercem sobre os indígenas e suas terras, resultando numa série de violências, inclusive entre parentes, acionadas pelas dinâmicas da vingança e das acusações.

Essas violências se dão, recorrentemente, como resultados de tensões e bebedeiras, e entre as mais comuns estão os casos de violências contra a mulher. Isso gera outras conceitualizações sobre a lógica da criminalidade e as noções de violência, que precisam ser preenchidas etnograficamente para se compreender o porquê da recorrência das cenas de violência que resultam em prisões, exposições e mais violências contra os Guarani e Kaiowa (Seraguza, 2023: 219-220).

Falar, retomar, movimentar, lutar parecem alternativas possíveis diante do mal-estar vivido, e as retomadas se tornam promessas de alegrias, lugar de boas palavras. A palavra, ao circular no corpo, faz dele corpo ereto, corpo em pé, princípio fundamental da humanidade.

Quando se perde a palavra, o silêncio é o fim, pois com ele vêm a diminuição da capacidade de autocuidado e a exposição ao perigo. Por isso, a constatação de que “sem mulher, não há fogo” (Pereira, 2004 ) nos leva a pensar, então, que “sem mulher, não há tekoha” (Seraguza, 2017), porque só as mulheres são capazes de fazer alegria nos corpos e espíritos das pessoas que vivem e são a própria terra, que nutrem, cultivam e fazem levantar. Ou ainda, como afirmou Sônia Guajajara, durante sua campanha eleitoral para deputada federal de São Paulo em 2022, “a luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas”.

Misturadas na terra

A luta ocorrida na região de Trombas e Formoso, no norte do estado de Goiás, na década de 1950, irrompeu quando as terras de famílias de posseiros e posseiras oriundas das mais diversas partes do Brasil passaram a ser ameaçadas. O processo de expulsão de terras empreendido por fazendeiros, que se diziam donos das mesmas, deu origem a um dos muitos conflitos por terra que emergiram nesse período, em meio ao avanço das fronteiras abertas pela Marcha para o Oeste.

O programa de colonização criado pelo governo de Getúlio Vargas pretendia, por meio de uma série de ações, ocupar as fronteiras do país como forma de controle e expansão econômica. Incentivadas pelo Estado brasileiro da época, inúmeras famílias se deslocaram para a Colônia Agrícola de Ceres (GO), com a promessa de conseguir um pedaço de terra.

Mas nem todo mundo encontrou o tão sonhado lote de terra ao seguir a direção dada pelo governo de Getúlio Vargas, tendo muitos migrado para a região norte de Goiás, guiados pela notícia de que havia terra boa por ali. Lá chegaram, fizeram casa, roça, ocupando as terras cuja posse veio a ser, anos depois, contestada e grilada por fazendeiros locais. Os posseiros e as posseiras, certos de que se tratava de terras devolutas, se rebelaram contra o processo de expropriação de suas terras, decidindo nelas ficar e possear , uma prática que não lhes era costume, uma vez que estavam sempre a sair e largar a terra.

É que a terra para essa gente andante “não tinha valor, não pertencia”, como explicou dona Isabel 3 . O sentido da terra não ocupava os pressupostos econômicos que a transformariam em coisa-mercadoria, pois “o povo não tinha ambição por terra. Não tinha esse negócio de escritura, de documento. As terras eram devolutas mesmo. Sem dono. Quem chegasse lá, ia habitar e ia tocar lá” lembrou dona Isabel . O movimento era o que lhes possibilitava alcançar a terra, cujo sentido se fez alterar no próprio processo da luta, no caso, não mais sair e largar a terra, mas nela ficar e posseá-la .

Esse movimento de posses deu base à criação da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Trombas, cuja atuação coletiva e descentralizada deu segurança para as famílias permanecerem em suas terras, que conquistaram sua titulação no começo dos anos 1960. Com a deflagração do golpe militar de 1964, esse processo de autonomia e conquistas dos posseiros e posseiras de Trombas e Formoso foi desacelerado. A autoridade moral conferida à Associação por meio de uma relação de confiança estabelecida entre posseiros e membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi compreendida como uma ameaça à autoridade violenta e repressiva do governo militar, que perseguiu, torturou e assassinou inúmeros posseiros e lideranças da luta.

Nesse contexto, as mulheres assumiram um papel central, que permitiu segurar a terra. Pois se a luta foi feita pelos homens por meio da correria , para as mulheres ela se impôs por meio de sua permanência na terra. Enquanto os homens tinham que sair de lá, vir aqui , ir lá no Corrente , depois ir lá no Coqueiro de Galho , córregos da região por eles percorridos para convencer outros posseiros a possear e não sair e largar suas terras, as mulheres ficavam em suas casas a tecer cotidianamente o trabalho de permanência nelas, garantindo assim o vínculo de pertencimento entre suas famílias e aqueles lugares. Mas é importante que se entenda que, para as pessoas de Trombas, ficar não é o mesmo que parar . Permanecer lhes exigia contínua ação motora, uma movimentação que atribuiu às mulheres o título de trabalhadeiras , cujo sentido a elas se apresentava por meio do movimento. Ou seja, de uma pessoa que faz uma coisa e já faz outra. Tá sempre fazendo algo, não para .

A luta nunca parou para as mulheres de Trombas, que, embora tenham vivido a luta pela terra na década de 1950, seguem ainda hoje duras e dispostas a caçar destino em sentido à terra, para assim permanecerem misturadas a ela. A loucura do pasto , que hoje cerceia e comprime cada vez mais a relação dessas pessoas com a terra, não as impediu de seguir andando em direção a ela e, ainda que comprimidas em seus terreiros e quintais, de fazer terra brotar, incrustar e misturar a seus corpos (Dourado, 2022).

Essas mulheres precisaram se fazer duras para dar conta da luta gerada pelos conflitos com os fazendeiros que queriam expulsá-las de suas terras na década de 1950. Uma dureza que se expressava na exigência ainda maior a elas apresentada. A elas não bastava ser apenas mulher, era preciso ser mais mulher para dar conta de todo o trabalho na casa, na roça e dar cobertura aos homens que estavam nos piquetes. Plantaram, colheram, cuidaram das criações, armaram-se, defenderam-se, ficaram de tocaia nos piquetes, tomaram decisões, ao mesmo tempo que continuaram a cozinhar, a lavar, a fiar, a costurar e a criar seus filhos. Foi preciso ser valente dentro e fora de casa, ajudar 4 , trabalhar junto aos homens e às outras mulheres. Uma vez que “não era possível ser dona do próprio destino sem se tornar também uma nova mulher” (Amado, s/d: 28).

Sabiam que, para dar conta daquela danação toda da luta, teriam que redefinir seu lugar e papel social não só na luta pela terra, mas também nos embates a elas colocados pela vida, no movimento contínuo que faziam por sua manutenção. Era preciso ter coragem para enfrentar a vida e a morte, que a elas se manifestava de forma frequente. Tanto nos conflitos com os fazendeiros da região, como em outros momentos de suas vidas, elas acudiram filhos, filhas e marido à beira da morte, estiveram à beira dela, mas quando é fé , sobreviviam. Faziam-se, então, duras , resilientes, dispostas .

Contudo, ter coragem não retirava das costas dessas mulheres o fardo, pesado demais, de cada uma ter que ser a todo momento mais mulher , mesmo compreendendo a necessidade e a busca por assim ser, naquele tempo , principalmente em razão da luta. É que muitas vezes a coragem obtida por essas mulheres se dava à medida que a violência a elas se apresentava e intensificava. Ao segurar a terra , nela permanecendo, as mulheres se tornavam alvos dos ataques dos jagunços e grileiros da região, que tocavam fogo em suas casas e roças com o intuito de expulsá-las de suas terras.

O método era eficaz pois queimavam a roça sem derrubar, impedindo-os de plantar e, por sua vez, de ficar nas terras, algo que, como vimos, só se tornou possível para essas pessoas por meio da luta, uma vez que lhes era costume demorar mas não ficar . Sair e largar a terra, a casa, era uma forma de resistir e fustigar o cativeiro 5 do trabalho e do arrendo que explorava e predava seus corpos, suas vidas e suas terras. A materialidade das habitações denotava a duração e o movimento que dava sentido a suas vidas. “Era tudo de palha de coqueiro, todas eram assim”, dizia dona Carmina ao se referir à arquitetura um tanto provisória dos ranchos, que lá se mostrava mais adequada à duração da estada pretendida. Isso porque estavam sempre a caçar melhora , o que durante muito tempo significou para essas pessoas estarem junto à terra, misturados a ela, em um tempo em que para acessar a terra bastava chegar e ocupar.

No entanto, a ocupação das terras nunca impediu a aparição violenta de fazendeiros em suas casas com documentos que, supostamente, os intitulavam donos das mesmas. A cobrança do arrendo e/ ou a ameaça de expulsão, com as quais eram comumente acompanhadas as visitas de jagunços a mando dos fazendeiros, impunham aos posseiros uma situação de restrição de liberdade – de cativeiro – que, quando sentida, os impelia a andar em busca de novos destinos, como forma de resistir à sua imposição. A terra, nesse caso, era a direção dada para alcançar esse caminho, pois era o que lhes proporcionava a autonomia de fazer tudo e não comprar nada e, assim, obter o suficiente para se viver .

A casa, nesse sentido, era móvel, pois se fazia a cada novo lugar no qual se chegava, sendo sua mobilidade a melhor arma para se escapar dos cativeiros que se impunham a essas pessoas. Era, assim, uma forma de luta, que, em sua impermanência, lhes dava proteção e lhes garantia a manutenção da vida. O que não significa dizer que a casa não lhes permitia a produção de vínculos. As atividades e relações tecidas em casa ou através dela, como os laços de parentesco, o comer junto, as visitas, as trocas de trabalho, de sementes e alimentos, as conversas, as festas, produziam continuamente o vínculo entre as famílias e as terras onde viviam, e o reconhecimento desse vínculo pela comunidade.

Foi nesse espaço doméstico, inclusive, junto a essas mulheres que eu, Maiara, pude apreender outra perspectiva da luta, que não a estabelecida pela historiografia oficial. Apesar de reconhecida por meio do conflito deflagrado na década de 1950, a história de luta dessa gente andante não começa, nem termina com ele. A luta está inscrita na história de movimento das pessoas que chegaram a essa região. Fato de que só me dei conta depois de muito andar com as pessoas de Trombas 6 , principalmente com as mulheres que participaram da luta e que foram por essa historiografia relegadas à margem da história.

Foram elas que me fizeram enxergar a luta para além do retrato emblemático de um conflito armado, comunista, e de caráter episódico, eventual na história. Em meio a andanças, visitas, passeios no mato, tardes debaixo do pé de pau vendo o movimento , pude compreender a luta como essa forma de enfrentar a vida em movimento, que se alarga na história e se faz cotidianamente.

Uma compreensão da luta que não se deu por meio de conversas e entrevistas. As memórias e narrativas produzidas por essas mulheres não podiam ser narradas e acessadas assim, falando: era preciso andá-las para conhecê-las e assim movê-las para além de sua institucionalizada concepção. Só assim, guiada por essas mulheres, pude alcançar algum destino , o qual me fez redirecionar o sentido da etnografia, e a mirar não apenas a luta pela terra circunscrita em um período histórico, mas o movimento que deu e continua a dar sentido à sua ação.

Neste sentido, a luta que aqui descrevo assume uma perspectiva acerca da experiência de vida e da visão de mundo dessas mulheres, cuja proximidade se fez acordada pela minha própria condição de gênero. A forma solta no mundo como essas mulheres me viam as incitava a querer colocar-me sob sua guarda e proteção, que era o jeito que lhes era próprio de dar algum rumo e sentido à forma solta – desacompanhada, solteira e sozinha com a qual me punha a andar no mundo. Andar junto a elas me permitiu conhecer a luta pelo que lhe é próprio: o movimento.

Intimidades da terra e de suas lutas

O município de Pinhão (Centro-Sul do Paraná) é marcado pelo conflito entre as comunidades tradicionais dos faxinais e a madeireira Indústrias João José Zattar. Boa parte do território pinhãoense é coberto pela mata com araucárias, onde se localizam os faxinais, comunidades formadas entre meados do século XIX e as primeiras décadas do XX, cujos moradores mantinham a criação de animais em criadouros comuns . Esse modo de criação era mediado pela construção e cuidado coletivo de uma cerca de cultura – grande cercado que delimitava as terras de criadouro –, a qual demarcava a passagem para as terras de cultura ou de plantas , áreas onde as famílias faziam suas roças. Enquanto nos faxinais essas famílias viviam em casas , nas culturas elas mantinham paióis , onde permaneciam durante os períodos de plantio e colheita, e armazenavam sementes e ferramentas. As famílias também comercializavam a erva-mate, cujo extrativismo constitui parte fundamental da vida dessas comunidades.

Os faxinais de Pinhão são formados por uma população racial e etnicamente diversa, marcada pela ancestralidade indígena, pela presença de famílias negras, de descendentes de portugueses, de imigrantes vindos de outros países europeus no início do século XX, e de famílias que, também naquela época, vieram de outros estados da região Sul e de São Paulo. Muitas dessas pessoas não possuíam títulos de terras. Aqueles que os tinham, por sua vez, não tomavam tais documentos como uma declaração de propriedade da terra, mas sim como heranças dos parentes antigos, as quais eram compartilhadas com os familiares do presente e com outros vizinhos 7 .

A madeireira instalou sua primeira serraria no município no final dos anos 1940, quando começou a adquirir terras por meio de contratos de compra e venda de árvores com as famílias que lá viviam (Monteiro, 2008). Com o passar do tempo, inseriu-se no ramo ervateiro, lidando com o extrativismo e o cancheamento de erva-mate. No final da década de 1960, a Zattar adquiriu uma grande quantidade de terras entre faxinais e culturas , as quais foram objeto de uma medição judicial (Salles, 2013). Esse processo de apropriação envolveu a construção de novas cercas nos faxinais e o uso de homens armados para primeiro convencerem os moradores a assinarem contratos com a empresa e depois vigiá-los e impedi-los de trabalhar na terra. Esses homens são reconhecidos em Pinhão como guardas , jagunços e pistoleiros . Era especialmente sobre eles que as famílias dos faxinais discorriam em suas narrativas sobre as ameaças e o sofrimento que viveram ao longo das lutas com a Zattar.

No início dos anos 1990, os moradores dos faxinais que haviam tido suas terras tomadas pela madeireira se organizaram no Movimento de Posseiros, através do qual buscaram o reconhecimento de seus direitos e passaram também a reocupar terras. Nos anos 2000, vários deles ingressaram na Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF) e no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A madeireira faliu e fechou suas serrarias em Pinhão em meados dos anos 1990. Porém, permanece reconhecida pelo Estado como proprietária das terras, e segue ameaçando centenas de famílias de despejo por meio de ações de reintegração de posse – uma das quais foi efetivada no final de 2017 e resultou na destruição de uma comunidade de posseiros (Porto et al ., 2020; Santos, 2023).

Na época em que a madeireira faliu, diversos jagunços foram presos. Outros foram mortos. Entretanto, suas famílias continuaram no interior de Pinhão – e, com elas, as histórias desses homens e os efeitos dos atos deles nas relações constitutivas das comunidades de faxinais. Além disso, vários deles continuaram nas terras tomadas pela Zattar, e permaneceram atuando como vigias.

Eu, Dibe, fui a Pinhão pela primeira vez como integrante do Projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná, com o objetivo de registrar as histórias que as famílias dos faxinais de Pinhão contavam sobre o conflito com a madeireira 8 . Posteriormente, a Associação das Famílias dos Trabalhadores Rurais de Pinhão (Afatrup), que agregava pessoas de diferentes comunidades e movimentos sociais, solicitou ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná, onde eu fazia mestrado sob a orientação da professora Liliana Porto, estudos que corroborassem o reconhecimento dos direitos à terra das comunidades de faxinais. Esses trabalhos foram realizados por nós e por outros pesquisadores do Projeto Memórias. Ao longo da minha pesquisa do mestrado e, posteriormente, do doutorado, residi em casas de seis famílias diferentes, em cinco comunidades distintas. Essas famílias também participavam de diferentes movimentos sociais: três eram do Movimento de Posseiros, uma do MST, e uma da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APF) 9 .

Enquanto mulher de vinte e tantos anos, solteira e andando sozinha (como minhas amigas de Pinhão salientavam e estranhavam), era junto às mulheres que eu ficava ao longo do dia. Mulheres de todas as idades, muitas delas acompanhadas de seus filhos e filhas, netos e netas. Minhas conversas com os homens se davam quase sempre dentro da cozinha ou da sala de casa, onde também estavam presentes as esposas e filhas deles. Levei certo tempo para compreender que, embora eu não tivesse como foco de pesquisa as experiências particulares às mulheres nas lutas pela terra, o fato de eu ser mulher e de circular e permanecer em casas de famílias moldou significativamente meu modo de abordar a questão da violência em conflitos por terra. As relações, narrativas e caminhos que se abriram para mim apontavam para as facetas de uma delicada política da terra, a qual envolve gênero e intimidade social, criação e destruição de terras-lares e corpos-terras.

As histórias sobre mortes, ameaças e queimas de casas, vividas ao longo do conflito com a Zattar, falavam sobre jagunços que agiam de forma abusiva e violenta a mando da madeireira. Esses jagunços , no entanto, não eram externos às comunidades. Muitos deles eram nascidos e criados em Pinhão, e vários acabavam por exercer seu trabalho de vigilância sobre pessoas com quem tinham parentesco ou laços de amizade. Esses homens viviam com suas famílias em terras que haviam sido apropriadas pela Zattar, dentro das comunidades onde atuavam como vigias. Suas esposas e filhos conviviam com as esposas e filhos dos demais moradores. Várias interlocutoras, nesse sentido, relataram apoios prestados às esposas dos jagunços em situações envolvendo o cuidado com a casa e com as crianças, algo que sustentava a criação de laços entre elas. As mulheres me falavam também de situações mais corriqueiras, como as visitas ao longo do dia e as conversas acompanhadas de chimarrão, realizadas quando seus maridos estavam fora de casa.

Os moradores dos faxinais chamam de desaforos muitos dos atos de agressão realizados pelos jagunços , como a proibição do trabalho, as ameaças, a circulação ao redor das casas com armas em punho (Ayoub, 2021). Situações parecidas são ressaltadas por Ana Carneiro ( 2022 ) e Daniela Perutti ( 2022 ) em suas análises sobre outros conflitos por terras no Brasil, nas quais notamos que o acolhimento de sujeitos ameaçadores em casa é marcado por uma delicada diplomacia, a qual afirma a respeitabilidade dos anfitriões, e busca impedir que a hostilidade ultrapasse certo limite. No entanto, nem sempre é esse o caso: por exemplo, no trabalho de Efrem Filho (2017), vemos que a violação da casa camponesa se realiza em atos que espalham o terror, geram traumas em família, desarticulam a luta e tiram o chão das pessoas, que precisam reaprender a habitar um mundo em pedaços.

Ao contarem sobre as violências sofridas ao longo do conflito com a Zattar, as mulheres dos faxinais ressaltavam uma pressão intensa sobre a casa e a preocupação com a circulação das crianças, tendo em vista a existência de jagunços rondando suas terras. Os homens, por sua vez, invocavam com maior frequência as tocaias, as provocações dos jagunços , e as brigas em bares e festas como formas de matar pessoas. Não que as mulheres não falassem sobre esses assuntos, mas em geral não eram elas as protagonistas de tais eventos, relacionados a lugares e modos de se movimentar considerados mais masculinos.

Nas experiências de violência narradas pelas mulheres dos faxinais, destacava-se a vulnerabilidade de viúvas, de mulheres separadas e de mulheres cujos maridos estavam ausentes de casa. Boa parte das histórias sobre queimas de casas dizia respeito a mulheres nessas condições, como ressaltei em outros trabalhos (Ayoub, 2018; Ayoub, 2014). Chama atenção a falta de solidariedade com que elas se depararam ao buscar ajuda dos vizinhos e de autoridades (todos homens) para se reerguerem. Essa ausência de apoio era acompanhada de julgamentos, os quais davam a entender que mulheres sem marido não seriam capazes de criar filhos. Por vezes vinha também acompanhada de questionamentos sobre a capacidade delas próprias de cuidarem bem dos filhos – acusação enfrentada por uma jovem mãe que perdeu três meninos no incêndio de sua casa, e também por Dona Francisca, senhora que me acolheu em sua residência, a qual foi alvo de tiros em meados dos anos 1990. Para Francisca, os tiros disparados por jagunços objetivavam aterrorizá-la, para que desistisse da terra. No entanto, quando ela foi fazer o boletim de ocorrência, o delegado lhe disse que os tiros provavelmente haviam sido dados pelo namorado de uma filha dela.

Processos de apropriação protagonizados por empresas e outros agentes impactam de modos distintos homens e mulheres, à medida que a normatividade de gênero orienta diferentes relações entre corpos e terras, e dá forma a diferentes atos de violência (Cabnal, 2010; Ulloa, 2016; Ruales Zaragocin, 2020 ). Em comunidades camponesas e tradicionais, a terra assume diferentes generificações, que se concretizam, entre outras formas, através da divisão sexual do trabalho familiar. Se muitas etnografias demonstram que o trabalho de produção em roçados é tido como fundamentalmente masculino (ainda que as mulheres desempenhem boa parte desse trabalho), a casa e a distribuição dos alimentos dentro da família são de responsabilidade das mulheres, o que lhes confere um lugar específico na tessitura de pertenças entre famílias e terras, e da própria terra (Heredia, 1979 ; Woortmann e Woortmann, 1997; Cerqueira, 2017 ; Alves, 2016). Uma vez que as mulheres de Pinhão partem desse lugar da casa para ressaltar as experiências de violência vividas nos conflitos com a Zattar, elas também iluminam conexões entre domesticidade e lutas políticas (Figurelli, 2011; Rossi, 2016).

As queimas de casas, mortes de crianças em incêndios e tiros contra casas eram problematizadas nos termos de uma moralidade que hierarquizava mulheres, e orientava como uma família deveria ser para que pudesse ser considerada completa e, por conseguinte, dona de terras. A conexão entre domesticidade e luta política se faz também a partir da noção de valentia , característica dos jagunços mais terríveis , aqueles tidos como pistoleiros e matadores de gente . No município, é comum ouvir que Pinhão tinha fama de valente , reputação decorrente das brigas de família protagonizadas pelos homens de antigamente , que se matavam uns aos outros em vinganças consecutivas. Alguns desses homens se tornariam jagunços da Zattar. Várias vezes ouvi que antigamente o homem que não andasse armado não era considerado homem.

A valentia representava um excesso dessa masculinidade afeita às armas, e uma transgressão. O homem valente , diziam minhas interlocutoras, é também o sujeito que faz uso abusivo do álcool, algo que segundo elas abre o corpo aos afetos do demônio. Ao falarem sobre homens valentes , elas recordavam que eles agrediam suas esposas, familiares e afilhados. Alguns desses casos de agressão culminaram em assassinatos. Não é por acaso, nesse sentido, que alguns dos jagunços que me foram descritos como valentes tinham fama de serem ruins para suas esposas, e mataram afilhados – jovens rapazes – ao longo dos conflitos com a Zattar.

Se as narrativas sobre mortes nos conflitos por terra em Pinhão raramente envolvem vítimas mulheres – e quando o fazem em geral elas não são nomeadas –, aqui a valentia é um dos caminhos para se fazerem feminicídios e se falar sobre eles. Assim, ela é uma espécie de substância ética (Foucault, 2010) que conecta as violências de dentro da família àquelas vividas na luta pela terra, enquanto abusos propagados por homens ruins . No entanto, é preciso sempre lembrar que, no caso das lutas pela terra, havia homens agenciados e pagos por uma grande empresa para serem ruins . Sua valentia se tornava uma dimensão do poder da madeireira, uma faceta do exercício do capitalismo autoritário (Velho, [1976] 2009 ) e uma forma pela qual as moradoras e os moradores dos faxinais denunciavam a exploração e a expropriação.

Considerações finais

Ao narrarem suas experiências em lutas por terras, mulheres guarani e kaiowa, posseiras de Trombas e Formoso, e mulheres dos faxinais de Pinhão refle-

tem sobre os modos como esses conflitos informam a produção de subjetividades, de maneiras diferentes de ser mulher em relação com a terra. Se o gênero é performativo, ou seja, uma reencenação de normas e significados que regulam a produção de sujeitos e a própria distinção entre masculino e feminino (Butler, 1990; 1993), os conflitos por terra e as formas de violência são uma arena dessa performatividade e de reiteração ou ressignificação das normas de gênero.

Essas normas organizam posições sociais, lugares e formas de atuação (movimentação, fala, enfrentamento de agentes de violência) distintas para homens e mulheres, e entre homens e mulheres. A terra incorpora os sistemas de gênero existentes em determinados contextos, de modo que não podemos afirmar que ela tem um gênero particular, mas sim que há gêneros na terra e nas lutas por ela (Ruales Zaragocin, 2020 ). Nas experiências de nossas interlocutoras, as casas são um importante marcador dessa generificação da terra e das lutas. A luta pela terra é vivida em casa – entidade viva, que afirma pertencimentos com a terra, vincula famílias aos seus lugares de vida, sofre violências e é também o lugar em que as mulheres sofrem violências.

Ao trazermos essas questões, não pretendemos essencializar a relação entre mulheres e terras, nem mesmo as casas como lugares femininos, ou as mulheres como mães e donas de casa. As mulheres com quem dialogamos não falam sobre formas estanques de ser mulher, mas sobre as várias possibilidades de relação com a terra e de produção subjetiva que se abrem para elas nesses conflitos. Se suas falas curam, é também porque suas palavras podem ser duras e abrir caminho para retomadas. Se elas ficam em casa, com isso também estão movendo o mundo e se fazendo corajosas. Se são mães, não o são do mesmo modo. Essas éticas de cultivo de si na luta e no mundo também conectam diretamente corpos e terras.

A potencialidade da casa se agrega à potência feminina na criação de modos próprios de resolução de conflitos. São recorrentes as narrativas sobre os desfechos inusitados gerados pela intervenção das mulheres em momentos de tomada de decisões importantes. As ações dessas mulheres permitem percebermos outras maneiras de se fazer a luta pela terra e de ocupá-la. É a conexão entre seus corpos, palavras, espíritos e terras que imprime no cotidiano a resistência para o levantar da vida nos mundos possíveis.

As avaliações que nossas interlocutoras fazem de suas ações e das ações dos homens nos conflitos por terra implicam a atenção a dinâmicas de controle e descontrole dos afetos e substâncias que atravessam corpos em luta. Controle e descontrole invocam elementos diferentes, que também são generificados, como vemos com a valentia em Pinhão, o ser mais mulher em Trombas e Formoso, e os conflitos entre parentes entre os Guarani e Kaiowa. O descontrole implica um desafio ao parentesco e à vida comum que sustenta aldeias e comunidades, pois pode levar a uma espécie de predação voltada para dentro, colocando a própria casa em risco – tema que aparece em outros trabalhos sobre campesinatos (Dainese, 2015; Weitzman, 2016) e também na etnografia de Santos (2015) com o povo Karo Arara. As boas práticas de cuidado de si e dos outros, bem como a perturbação e o excesso, apresentam-se, assim, como modos de cultivo de pessoas e terras em disputa, correlacionando corpos e territórios.

Entre os Kaiowa e os Guarani, as mulheres que estão à frente de suas retomadas são reconhecidas como mulheres guerreiras, que têm coragem de lutar e quiçá de morrer por seu povo, têm o corpo feito na luta, ocupam posições de lideranças, mas nunca sem disputar com os homens. Muitos ficam à espreita dos excessos da força das mulheres, cuja grandiosidade por vezes é desafiada com a acusação de feitiçaria. É essa força que faz com que Kuña Kuarahy , expressiva liderança do povo Guarani Ñandeva no Mato Grosso do Sul, siga repetindo por onde anda que foi ela “quem abriu o caminho para os homens” (Seraguza, 2023), para que eles tivessem a oportunidade de viver novamente na terra recuperada, onde compartilharão o nascer das plantas, da mata, o crescer das crianças, dos animais, dos fogos, das partilhas e de mais mulheres – produtoras da alegria, juntadoras dos parentes, potência do fogo na vida kaiowa e guarani.

Diante dos conflitos que enfrentam, as mulheres guarani e kaiowa lutam por suas vidas, por seus parentes, por suas memórias e histórias – enquanto donas de seus fogos , que detêm o poder da criação de gentes, da tekoha , de vidas múltiplas e diferentes. O poder do cuidado, da cozinha, da maternagem, da palavra das mulheres é força política de arregimentação e assentamento de pessoas que vivem mudanças drásticas em seus modos de vida. A luta pela terra é um caminho de insegurança e por isso só pode ser orquestrada por quem é dona da vida e conhece a caminhada – as mulheres (Seraguza, 2023). Elas abrem caminhos, permanecem na terra e dão sentido à luta por elas empreendida.

De modo semelhante, as mulheres de Trombas e Formoso tiveram que se fazer mais mulheres para garantir a permanência nas terras. Afinal, foram elas que ficaram para que os homens fizessem a correria da luta e continuassem em movimento com a terra e, assim, misturados a ela. Para isso, as mulheres ajudaram , trabalharam junto , brigaram, acordaram para, desse modo, ganhar a luta . Contudo, a violência dos conflitos as impeliu a repensarem sua condição dentro de suas casas e com suas famílias, pois, se eram valentonas na luta , também tiveram que “ser valentona [ s ] com pai, ser valentona [ s ] com filho, com marido, com tudo”, diziam . Dar conta de tudo trouxe o peso de ser mais mulher , uma força extra que não assegurou a elas o reconhecimento pela participação e importância que tiveram na luta. Foram, pelo contrário, invisibilizadas, relegadas à margem da história contada por homens e instituições patriarcais. Contudo, suas memórias resistem, incrustadas em seus corpos, em seus andares a deixarem rastros ainda perceptíveis em seus caminhos.

Em Pinhão, as mulheres nos falam de lutas por terra que se desdobram através de suas casas, lugares onde elas se constituem como sujeitos fortes e atuam politicamente no conflito – seja acolhendo amigos ou inimigos, seja cuidando da família e, por conseguinte, do laço entre familiares e terra. Seu mundo era também o da ruindade dos homens valentes , os quais trabalhavam para a madeireira, mas eram vizinhos e conhecidos, e algumas vezes parentes. À medida que o parentesco aparece como um limite moral para a violência, marcando aqueles que não poderiam ser mortos, os assassinatos de afilhados por jagunços revelam as interferências da madeireira na intimidade dos faxinais, como agente que corrói laços de solidariedade entre famílias. Não é à toa, nesse sentido, que várias das mulheres que falam sobre suas experiências na luta ressaltem a si mesmas como mães. As ameaças às suas terras eram também desafios a elas próprias, enquanto pessoas capazes de criar filhos e filhas em lugares de perigo, com os maridos ausentes ou ameaçados.

Os diversos agenciamentos das mulheres Kaiowa e Guarani, das posseiras de Trombas e Formoso e das mulheres dos faxinais de Pinhão nas lutas pela terra revelam formas particulares de viver e de falar sobre as violências que entram em jogo nessas disputas. Essas formas se ligam aos conhecimentos das mulheres sobre a terra – o cuidado com o fogo como mote do fazer festa e fazer guerra, o cultivo da terra como cultivo da família e das boas palavras com os vizinhos e parentes, a diplomacia no trato com os estranhos, a capacidade de encarar a morte de frente para fazer a vida permanecer.

As mulheres com quem trabalhamos traçam olhares críticos às violências que têm enfrentado historicamente, enquanto sujeitos que vivem em terras em disputa com grandes agentes do agronegócio e do agroextrativismo. A existência delas é fortemente marcada por essa perspectiva de uma luta que nunca acaba. Em suas narrativas, observamos que as violências vividas na luta pela terra podem envolver a intersecção entre o poder dos invasores e colonizadores – poder que também é organizado em termos de gênero – e o dos homens ruins de suas famílias e comunidades. Ainda assim, elas afirmam o tempo todo sua capacidade de força e sua posição ativa diante de tudo isso. Elas abrem caminhos para a terra e com isso demonstram as intimidades dos conflitos, os modos com que eles povoam suas relações de parentesco e comunidade, seus cotidianos.

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  • 1
    Utilizamos o itálico para palavras em Guarani e Kaiowa, e para enfatizar algumas das categorias particulares com que nossas autoras elaboram seu conhecimento a respeito dos conflitos e violências vividas. Para citações mais longas de suas falas, usamos aspas. Utilizamos também aspas para citações de obras acadêmicas.
  • 2
    Essas reflexões em diálogo com mulheres Guarani e Kaiowa são parte das discussões apresentadas por Lauriene Seraguza em sua tese de doutorado, defendida no PPGAS/USP em 2022.
  • 3
    Dona Isabel junto com dona Carmina, Zilda, Dirce, dona Zica e dona Joaninha integram o grupo de mulheres posseiras com quem convivi durante todo o processo de pesquisa do meu mestrado (Dourado, 2014) e doutorado (Dourado, 2022) sobre a luta de Trombas e Formoso. Todas possuem entre setenta e noventa anos e chegaram à região de Trombas e Formoso entre 1951 e 1960.
  • 4
    Aos posseiros e posseiras de Trombas e Formoso, a ajuda se revelava uma prática que tornava possível a vida comum, que era como acreditavam que a vida devia ser vivida, isto é, dispondo do suficiente para se viver. Ajudar era a forma por meio da qual se aprendia e se ensinava sobre o fazer da vida social ali, buscando sempre combinar e partir a razão e não sobrepô-la à ordem ou ao mando. A ajuda foi o que possibilitou às pessoas de Trombas e Formoso possear suas terras e não mais largá-las, como lhes era costume.
  • 5
    Cativeiro é um termo corrente no contexto de vida e luta do povo de Trombas e Formoso, que se altera e atualiza ao longo do tempo e que se expressa nas mais diversas formas de negação de liberdade e ausência de reciprocidade. Ele se revela não só na cobrança do arrendo ou no trabalho sob o mando de fazendeiros, como também, de forma mais atual, na dominação do pasto que os impede de fazer suas roças e plantar e, assim, permanecer em suas terras. Essa plasticidade atribuída ao uso da noção de cativeiro, já observada por autores como João de Pina-Cabral e Vanda Aparecida da Silva (2013), se deve ao legado da escravidão que ainda se mantém vivo e duradouro no “pressentimento de sua possibilidade” e na constante ameaça à liberdade, à independência e à autonomia dessas pessoas (Pina-Cabral Silva, 2013).
  • 6
    Considero, aqui, pessoas de Trombas não só os antigos posseiros e posseiras que participaram da luta, muitos dos quais conheci e com quem pude conviver, mas também seus filhos, filhas, netos e netas, uma geração outra, que herdou a mesma tradição andante, ainda que compassada por ritmos e direções diferentes.
  • 7
    Esse dado parte de conversas com famílias que se autodenominavam herdeiras de terras, as quais possuíam documentos antigos, referentes à geração de seus avós e bisavós. Esses títulos não foram objeto de inventário entre os herdeiros – o que aproxima essa forma de ocupação de terras das “terras de herança” (Almeida, 2006 ), da “terra da parentalha” (Castro, 2009), das “terras de hereo” (Heredia, 1988 ) e das terras de posse que deram origem aos “sítios” camponeses em Sergipe (Woortmann, 1982), as quais são representativas do direito da posse por ocupação e de formas de uso comum estabelecidas entre parentes. Muitas dessas terras de herdeiros foram apropriadas pela Zattar.
  • 8
    O Projeto foi financiado por um Convênio entre o então Instituto de Terras, Cartografia e Geociências do Estado do Paraná e o Ministério da Cultura. Os resultados do trabalho da equipe, formada por pesquisadores vinculados a diferentes universidades no estado do Paraná, foram publicados em coletânea organizada por Porto, Salles e Marques ( 2013 ).
  • 9
    A pesquisa em Pinhão teve início em 2009. Desde então, permaneci no município por cerca de treze meses, com estadias mais longas entre 2013 e 2014, e outras mais curtas entre 2009 e 2012, e 2017 e 2019.
  • Financiamento
    A pesquisa de Dibe Ayoub foi financiada pelo Projeto Memórias dos Povos do Campo no Paraná (2011-2012) e pelo edital de auxílio à pesquisa do Convênio PPGAS/MN/UFRJ – Capes (2013-2014). Contou ainda com o apoio de bolsas de pesquisa da Capes (2009-2011; 2012-2014); Faperj (2014-2016; 2018-2021) e CNPq (2016-2017). A pesquisa de Lauriene Seraguza foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/Fapesp - Processo n. 17/09129-7. A pesquisa de Maiara Dourado foi financiada pelo Projeto de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Goiás (2009), pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás (2012- 2014) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo n. 2016/12736-0 (2016-2021).
  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2022
  • Aceito
    16 Nov 2023
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